segunda-feira, março 29, 2010



SAUDADES DO COQUEIRO

Riqueza & Miséria

Antunes Ferreira
Um vendedor de cintos vem atrás de mim, Sir, do you want a very good belt? Digo-lhe que não, mas ele persiste, it’s real leather, please, Sir… Não vale a pena enxota-lo, pois há muitos outros mais que me oferecem porta-moedas, chapéus diversos também de puro cabedal, de pano e de mais materiais, e brinquedos de plástico, mais ou menos animados.A 18 de Junho, artéria principal de Pangim, está pejada deles. E de engraxadores. E de mendigos, permanentes, uns deles aleijados. E de outros que dormem nas ruas. E de outros ainda que vendem jornais, saris e bugigangas coloridas. Enxames. Goa não tem só coisas boas... E mal seria que o ignorasse.

Deixem-me que vos diga que o Milton tinha carradas de razão sobre o Paraíso Perdido. Por aqui não há só coisas boas... E mal seria que o ignorasse.
Não posso apenas sublinhar as coisas boas e positivas de Goa e da Índia. Há muitos milhões de seres humanos que se arrastam penosamente no meio de uma pobreza extrema. O sub-continente alberga uma parte substancial. Não se pode ignorar que o país tem qualquer coisa como um bilião e duzentos milhões de habitantes.

De resto, por ali as diferenças entre ricos e pobres (ia a escrever miseráveis, retraí-me, mas escrevo) são abissais. . Como em outros lugares do Mundo, é certo, mas aqui as coisas fiam mais fino. Um dado a reter: na Índia, dizem, não se morre de fome. Ela reivindica ter sido a iniciadora da Revolução Verde. O Brasil diz o mesmo. Julgue quem o pode fazer. Nestas coisas, mais vale experimenta-lo que julga-lo, copyright o Luís Vaz.

No Estado há homens mesmo muito ricos. Para não ir mais longe, cito apenas o Dempó e o Salgãocar. Donos das principais minas e de mais empresas, mas ambos têm inclusive equipas de futebol. Cuja importância, a par do cricket, é enorme. De resto, o chamado desporto rei, é sobretudo praticado no sul do país. E especialmente em Goa. Já uma vez o escrevi, vai para dois anos e picos, o Cristiano Ronaldo encabeça um cartaz publicitário nas estradas.

As barcaças que descem e sobem constantemente o Mandovi são de transporte do principal minério de ferro, o manganés, cuja exploração intensiva tem motivado protestos cada vez maiores dos agricultores e, também, doa ambientalistas. Porem, como é sabido, o dinheiro continua a ser a mola real da vida, com crise ou sem crise.
Elas cruzam-se com os casinos flutuantes que no rio estão estacionados. Sete. E que são igualmente um sinal de riqueza, a maior parte das vezes deitada fora...

Pela 18 de Junho, lá mais para o fim – para quem vem do largo da igreja principal com a sua escadaria do tipo da Sé de Braga – passado o Hotel Fidalgo, viro à direita para chegar ao Mercado da cidade. A artéria é praticamente toda ela comercial. Lojas as mais diversas e variadas, desde as que vendem caju, um dos principais produtos goeses, até às ourivesarias, passando pelas de lembranças diversas, pelos restaurantes, e por milhentas outras. Estou sozinho, a Raquel foi arranjar o cabelo e as unhas, num salão unisexo. Sinto-me nas minha sete quintas.

No entanto, o que me traz aqui é o Mercado. Igual a todos os mercados pelo Mundo espalhados – e muitos já conheci – mas que aqui é verdadeiramente policromo. Os saris das vendedoras de fruta, legumes, peixes, especiarias e outras vitualhas, são um espectáculo para os olhos de quem ali vem, como é o meu caso. Coloridos e garridos, lindos. Interessante é o facto de quase todas elas usarem o telemóvel com a maior naturalidade. Lojecas de tudo o que se pode imaginar rodeiam o centro.



Hoje, descubro um cidadão que dorme placidamente, estirado numa banca, ao pé dos chicus, das tangerinas, das uvas, das melancias, do jambulão, das maçãs, dos ananases, da batata-doce, do melão da terra, eu sei lá do que mais. Indiferente ao barulho que o rodeia, às conversas, ao regateio dos preços, é a imagem da bem-aventurança na terra. Não resisto e faço uma foto. Um soninho descansado, sem papão ou quejandos.

Os mobiles são em número impressionante. Toda aquela massa heteróclita os possui. Disse-me o Carminho Costa já muito citado – e com carradas de razão – que na Índia a média de aquisições dos telefones móveis é de quinze milhões por mês… De resto, nos jornais e nos cartazes citadinos e rodoviários pude ler Don’t spoil paper, use mobile.



Volto pela rua e vou até ao Sher-e-Punjab, restaurante hindu, cujo proprietário é um Sick, entre os intas e os entas, uma bela barriga, e com o seu impecável turbante e as barbas correspondentes. É o Shri Mandeep Singh. Ou seja, o Senhor Mandeep Leão, com quem travei conhecimento, pelas diversas refeições que se explica num português muito básico e arrevesado. Eu chegou com três anos para este terra bendita, logo sou goês.

Todos os Sicks são Singh, leões. Este é dono de vários restaurantes e do Hotel Aroma. Já esteve em Portugal, que considera o melhor país da Europa que conhece quase na totalidade. Sem favor, a sério, não é por o senhor ser português, senti-me em casa, acentua. Logo agradeço-lhe, Deu borem korum. E não lhe digo que penso que deve estar enganado. Um leão não se engana.

Ilustrações - de cima para baixo

1) Loja Lembrança (com ç e tudo...)
2) Rua 18 de Junho - mendigo

3)Vendedor de bugigangas
4) Um dos Casinos no Mandovi
5) Um soninho descansado
6)) Engraxador/sapateiro

(As fotos são do autor)